28 julho 2011

Gostosuras de Heleonora

Andava voando no seu triciclo. Tupy, o cachorro de estimação, e eventual delator, a seguia. Na cestinha pendurada no guidão da bicicleta, uma velha pasta escolar guardando os seus segredos. Estacionou o velocípede e foi abrir a pasta: canetas coloridas, rolo de cordão, caixinhas de fósforos, linha de nylon, velas, pedaços de jornal, tachas, um caderno pequeno, um vidrinho com álcool, vidrinhos vazios, um bodoque, um pano, uma lanterna, duas bergamotas. Quando a noite caísse iria brincar de esconde-esconde com os primos no quintal repleto de capim alto. E então faria suas travessuras e daria boas risadas.

Uma vela acessa atrás das moitas de cana de açúcar, tremeluzindo na escuridão. Um bilhete:

 Oi seus trouxas, eu não estou aqui! – escrevia com cuidado, desenhava as letras para que ficassem bem legíveis. Divertia-se muito antevendo o encontro do bilhete, o alvoroço que provocaria.

Deixou tudo pronto e foi subir numa árvore não muito distante, tomando o cuidado de esticar um fio de nylon no meio do mato, rente ao chão. Nylon invisível à noite e que faria os primos tropeçarem. Mais risadas. Espantava Tupy, o traidor, e então esperava. Era sempre a última a bater, anunciando o fim do jogo. Mas isso depois de hora ou mais. Teriam que procurá-la muito. Adorava aquilo!

A vela acesa tremeluzia e daí a pouco alguém gritava.

– Olha, tem uma luz nas canas!

A criançada corria para as canas e encontrava o bilhete desaforado de Heleonora debaixo da vela. Nesse ínterim, a menina já descia da árvore e tratava de mudar de lugar antes que dessem conta. Ia para o porão do chalé de madeira. Tupy aparecia e era arrastado junto antes que latisse na hora errada. Lá no porão escutava as vozes chamando. Um a um iam saindo dos esconderijos e vinham somar esforços para encontrar a pequena Heleonora. Já era uma das últimas. Logo não restaria nenhum a ser encontrado, exceto ela. No porão esperava, mas não ficava nas partes claras, onde a maioria se escondia, mas ia até os temíveis cantos estreitos e escuros. Enfrentava os medos, a lanterna acesa, com a luz vazando entre os dedos para que não iluminasse demais. E lá no recôndito escuro esperava o momento propício de sair e ir para outro lugar ou bater de vez na parede:

 Um, dois, três, Heleonora!

Quando a brincadeira terminava, a mãe chamava a turma inteira para um lanche. Vitamina de banana e bolo de laranja. 

Heleonora, rosto afogueado de tanta correria, riso fácil, carregava a pasta dos segredos na mão e recebia os cumprimentos dos primos.

 Onde se escondeu? Onde é o teu esconderijo secreto?

E a menina nada dizia, sorria ainda mais, enquanto saboreava um pedaço de bolo.

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