01 agosto 2011

Lar

A nave partiu. Duas luas iluminam a noite, uma grande e outra menor. Por que abandonariam um homem sozinho nesse lugar sem nome? Há picos e florestas. Caminho pela mata rumo a um dos cumes, quero ver algo mais, se puder.

O controle de meu traje indica autonomia de dois dias. Água, comida e ar racionados. Análise da atmosfera: respirável, mas com possível toxidade a médio ou longo prazo. Melhor manter a calma.

Ouço uivos. Uivos a distância. Lobos aqui? Amanhã a lua grande vai ser cheia. O satélite menor avança no quarto crescente.

Quando amanhece, as pedras cinzentas dos picos tocam as nuvens. A neve cobre parte das rochas, sendas de um branco absoluto. A beleza do lugar remete ao antigo e puro. Pequenas certezas.

Paro para descansar, bebo água. Faço uma fogueira. Mordo ração de sobrevivência. De alguma forma me sinto bem.

O pico está logo ali, a uns três quilômetros ao sul. Impossível escalá-lo sem equipamento. É enorme, toca as nuvens. A floresta a seus pés parece grama. Começa a escurecer de novo.

Anoitece muito rápido, as irmãs singram o céu cortando o nevoeiro. De repente a lua cheia emerge, fulgurante. Caio de joelhos, é dor ou êxtase?

Acordo com o traje arrebentado. Fico de pé, partes do traje caem no solo. Dispo os restos sentindo tremores. Nu, respiro, respiro. O ar ácido é bom. Examino os pedaços da roupa, o controle está esmagado. Nada mais entre mim e este mundo.

Volto a caminhar. Meus pés, a cada passo, afundam confortavelmente no solo úmido. Algo me manda continuar. Caminho até perder a noção. Não há tempo e nem distância.

Então, no crepúsculo, eu os encontro: um bando de homens nus. Todos de pé, voltados para o mesmo lado. Eles me olham mudos. São iguais a mim.

A lua menor vai ser cheia. Ficamos assistindo as irmãs subirem e quando o esplendor de suas faces nos toca há grande dor e êxtase. Minha boca se abre, enquanto todos os joelhos se dobram juntos, e, em uníssono, um uivo primal brota de minhas profundezas.