Osvaldo estava tecendo, continuamente, fazendo a junção dos sentidos, querendo expandir aquilo que era a própria natureza da tecitura e do gesto de urdir. Ele existia para esse momento prolongado, não importando tanto os tipos de pontos, a qualidade dos fatos, a dor ou o prazer. O existir era Osvaldo tecendo e a trama era o existir.
Se na contextualização do ontem há diferentes vieses, no prolongamento dos fios que se entrecruzam não havia que se falar em vieses, pois tudo era viés. Cada fio entrelaçado compunha um pedacinho unívoco do todo e Osvaldo sabia muito bem disso.
Ele podia trocar a técnica dos pontos com extrema facilidade. Ao fazer a mudança, sentia um prazer diferenciado, como se todo o universo se movesse ao seu toque. De fato, a expansão toda bailava na simetria do novo entrecruzar fluido.
Foi assim por muito tempo.
Osvaldo cruzando cada fio em transe consigo e com os planos que iam se alargando nos horizontes de mesas e meses. Fios livres que se aninhavam no sentido dos gestos e da realidade elaborada.
Mandaram aumentar a velocidade da urdidura. Osvaldo rapidamente adaptou-se à demanda, deu conta do fazer acelerado e os fios cruzaram o ar com destino certo e sem descanso. Os anos de prática e refinado saber, garantiram o crescimento da expansão sem falhas. A perfeição dos gestos perpetuou-se. Porém, à medida que os fios eram cada vez mais velocidade e precisão, Osvaldo começou a morrer. Estragou dois meses depois, impossível reparar o dano.
Francisco chegou, novíssimo e moderno. Não entendia ainda da trama que trama e que faz a vida em seus múltiplos fios, contudo, logo experimentava esse tricotar anônimo e não nomeado. Esse do qual era sujeito, mas também reflexo. A verdade é que cruzar os fios era um aprendizado insuspeito, pois os homens prestavam atenção na malha e seus produtos e esqueciam-se do gesto essencial. O gesto que, infinitamente, compõe, ordena, cria, vê dimensões que só quem olha vê, faz do nada o mundo que agora tocas e aprecias.
Francisco não demorou a ultrapassar a coisificação do tear e compreendeu a verdadeira riqueza do que fazia. Tecelão de redes e de ares, de esperanças e de medos. Tecelão de vida e de toda morte e ressurreição que ela contém. Tecelão das coisas e das não-coisas. Francisco apropriou-se dos fios e do destino.
Foi assim por muito tempo.
Quando os homens quiseram mais e mais, ele pensou em dar um nó cego e impedir a linha desvairada de perder seu sentido, porém, achou que seria pior gerar o desengano. Aquietou-se. Deixou o braço perder o ritmo até enguiçar. Alguém, um dia, haveria de achar o fio da meada.